Quando chamei o Rodrigo Lamonier (nutricionista) pra trabalhar comigo, fui incisivo ao dizer: eu quero paciente meu comendo a maior variedade de alimentos. E esse sempre foi nosso lema na clínica. O mínimo possível de restrição e se feita, só quando realmente necessária.
Por que esse assunto ?
Porque tornou-se rotineiro pacientes chegarem apavorados, vindo de gastroenterologistas ou de outros nutricionistas, alegando que teste de “frutose no sangue” ou de lactose deu positivo.
Muitos profissionais não tem cuidado ao repassar diagnósticos para pacientes e o pior: diagnósticos feitos erroneamente com testes com baixíssima especificidade e sensibilidade.
Vamos lá…
O teste no sangue para pesquisa de intolerância à frutose ou lactose não tem boa acurácia. O paciente pode ter um exame altamente positivo e não ter sintomas. Ou ter um exame negativo e ter sintomas. Nesses dois casos o exame mais indicado é o teste de hidrogênio expirado.
Alguns gastroenterologistas j[a estão pedindo o exame, mas como a maioria dos planos não dão cobertura, acabam solicitando o sanguíneo. Resultado: um monte de dieta com restrição de frutose/lactose e com isso vários déficits nutricionais.
Com relação à lactose: na nossa prática percebemos que a grande maioria dos pacientes vão tolerar alguns lácteos e isso sofrerá interferência de vários fatores, como temperatura do alimento, se foi antes ou após uma grande refeição. Também dependerá da quantidade de lactose ali presente.
Por que não excluir alimentos com lactose?
Porque a lactose é um açúcar que favorece a absorção do cálcio. O cálcio é importante para inúmeros sistemas no nosso corpo. E restrições desnecessárias configuram iatrogenia. Ou seja, até que se prove o contrário, se a pessoa não tem sintomas com lácteos, eles não devem ser retirados da dieta.
Por que não excluir alimentos ricos em frutose?
As principais fontes de frutose são as frutas e elas são ricas em: vitaminas, em especial C e A, minerais, fibras e muitos antioxidantes. Ou seja, são essenciais em uma alimentação saudável e balanceada. Retirar as fontes de frutose sem que o paciente apresente intolerância real à frutose é uma iatrogenia. Gera assim como a lactose, isolamento social.
E para aqueles que apresentam sintomas com um dos acima ou ambos?
Primeiramente tem que se fazer o exame para diagnosticar. Posteriormente iniciamos uma dieta de exclusão com duração de 8 semanas e depois um esquema de reintrodução com observação. Tudo anotado em um caderno de sintomas.
Experiência nossa: a maioria dos pacientes voltam a consumir alimentos lácteos ou ricos em frutose. A intolerância à frutose quase nunca se confirma no teste de hidrogênio expirado e com isso o paciente não precisa fazer as restrições. E quando se manifesta é apenas transitória, até mudarmos a dieta, utilizarmos probióticos específicos e fibras.
Exclusão do glúten da dieta e efeitos adversos desse tipo de dieta.
A moda do gluten free surgiu por volta de 2012 e desde então muitas pessoas estão retirando desnecessariamente o trigo da dieta. O Trigo é um alimento que é fonte de minerais e fibras. Faz parte da base alimentar brasileira e muitas das vezes é o que as pessoas possuem para comer no café da manhã. A sua exclusão também gera menor interação social, dificuldade para se alimentar fora de casa. Pois em 2019, um estudo randomizado, publicado revista Gastroenterology (
Croall. Gluten does not induce GI symptoms in healthy volunteers. Gastroenterology 2019 ) buscou responder se indivíduos saudáveis tinham melhora de sintomas intestinais como gases, mal-estar, após a retirada do glúten. Orientou uma dieta sem glúten a todos os participantes (maioria mulheres, média de 38 anos), mas ofereceu a eles uma espécie de farinha para ser adicionada aos alimentos: para metade essa farinha continha glúten e para a outra metade, não.
E qual foi o resultado? Após duas semanas, não houve nenhuma diferença em relação a sintomas, como gases, flatulência, mal estar. Nada. Como todo estudo, mesmo bem feito, ele tem limitações: tempo curto, por exemplo. Mas em geral, quem culpa o glúten refere piora imediata de sintomas, que é o que vemos na prática.
E nos que apresentam sintomas?
O espectro de doenças relacionadas ao gluten incluem:
1) Doença celíaca
2) Alergia ao trigo
3) Sensibilidade não celíaca ao glúten
Em todos esses pacientes a retirada do glúten pode ser benéfica.
Mas pior que as exclusões de lactose, frutose e glúten, são as retiradas baseadas em exames sem validação da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia. Existem 2 tipos de exames que alguns nutricionistas fazem em consultórios. Os baseados em imunoglobulina G e os em Imunoglobulina gG4. De acordo com o parecer da Sociedade Brasileira de Alergia e Imunologia: http://asbai.org.br/revistas/vol356/Guia-35-6.pdf“A dosagem de IgG específica e suas subclasses não oferece qualquer contribuição no diagnóstico e portanto sua prática não é recomendada” Um outro material muito interessante é o disponível nesse site: https://www.sciencebasedmedicine.org/igg-food-intolerance-tests-what-does-the-science-say/
Começo de 2015 fiz uma revisão sobre métodos diagnósticos de alergias alimentares e todos os artigos mais atuais contraindicam o método. Os estudos afirmam que talvez a dosagem de IGG ou IGG4 possa fornecer pistas sobre alergias alimentares, mas talvez estejam sendo interpretadas de forma errônea. Alguns amigos alergologistas compactuam da mesma opinião.
Em 2012 o Conselho Federal de Nutrição (CFN) foi questionado sobre a solicitação e execução de tal exame por parte de nutricionistas. O parecer (http://www.crn8.org.br/uploads/arquivo/dbca38c44ddd0076c589c1bcdd450ad4.pdf) diz o seguinte:”O “Food Detective” é um exame que utiliza o método Elisa para detecção de anticorpos IgG para 59 alimentos.
O kit de exame é produzido pela Cambridge Nutricional Sciences Ltda, o resultado fica pronto em 40 minutos e necessita de apenas uma gota de sangue para realizar o exame.Ressalta-se, no entanto, que alguns testes de alergia são questionáveis aos olhos dos profissionais médicos. É necessário considerar a confiabilidade do teste para realizá-lo.
Não foi encontrado pelo CFN nenhum documento que certificasse a confiabilidade do Food Detective. O teste considerado padrão-ouro no diagnóstico da alergia alimentar é o duplocego controlado por placebo (DADCCP), na qual a análise é feita por IgE (COCCO,2007).
A produção de anticorpos IgG e IgG4 específicos constitui resposta fisiológica à ingestão de alimentos, sem que implique qualquer manifestação clínica de hipersensibilidade alimentar (MORGAN, 1992; SZABO, 2000).
Apesar disso, painéis de anticorpos IgG ou IgG4 específicos para antígenos alimentares têm sido proclamados por alguns como instrumentos diagnósticos na alergia alimentar. Contudo, as evidências disponíveis não dão suporte à eficácia diagnóstica da dosagem de IgG específica em nenhuma doença em particular além da hemossiderose pulmonar (Síndrome de Heiner) (COCCO, 2007).
A Resolução CFN ° 380/2005 também reforça a solicitação de exames ao dispor atividades complementares como: “1.2.1.
Solicitar exames laboratoriais necessários à avaliação nutricional, à prescrição dietética e à evolução nutricional do cliente/paciente;”Portanto, o CFN não recomenda solicitação de exames de IgG por se tratar de diagnostico para alergias, sendo que, o diagnóstico de qualquer doença cabe ao médico realizar. A lei e as resoluções citadas dispõem que os exames são para acompanhamento dietoterápico.As referências utilizadas por eles:
ASBAI – Associação Brasileira de Alergia e Imunopatologia. Alergia Alimentar. Acesso em:08/10/2012.Disponível em: www.asbai.org.br.
Cocco, R.R.; Caelo-Nunes, I.C.; Pastorino, A.C.; et.al. Abordagem laboratorial no diagnóstico da alergia alimentar. Rev Paul Pediatr 2007;25(3):258-65.
Morgan JE, Daul CB, Lehrer SB. The relationship among shrimp-specific IgG The relationship among shrimp-specific IgG subclass antibodies and immediate adverse reactions to shrimp challenge. J Allergy Clin Immunol 1990;86:387-92.
Szabo I, Eigenmann PA. Allergenicity of major cow’s milk and peanut proteins determined by IgE and IgG immunoblotting. Allergy 2000;55:42-9.
Em Junho de 2015 o Jornal Estadão fez uma reportagem sobre o tema. Juntamente com o parecer oficial da ASBAI sobre o tema (http://m.vida-estilo.estadao.com.br/noticias/bem-estar,diagnosticos-de-alergias-e-intolerancias-alimentares-confundem-portadores-e-levam-a-deficiencias-,1707483)
Presentes em 40% da população, as intolerâncias alimentares são frequentemente confundidas com as alergias alimentares. Os sintomas são, em diversos casos, parecidos, e a falta de confiabilidade nos exames de detecção aumentam as dúvidas dos pacientes em relação a ambas as doenças. Segundo Renata Rodrigues Cocco, alergologista do Hospital Albert Einstein, “as alergias costumam apresentar sintomas que variam desde erupções cutâneas até problemas mais sérios, como distúrbios gastrointestinais (vômitos e diarreias) e anafilaxias (inchaço de órgãos do sistema respiratório)”.
Já no caso das intolerâncias alimentares, os sintomas estão geralmente relacionados ao trato gastrointestinal. “É muito mais comum surgirem transtornos na digestão do alimento, que variam de intensidade de acordo com a quantidade consumida”, Outra diferença entre as alergias e as intolerâncias alimentares está no fator causador. “As alergias são reações ligadas a alguma proteína presente no alimento que foi considerada um elemento estranho pelo organismo.
Já a intolerância ocorre quando o corpo não possui enzimas para digerir determinado carboidrato, como no caso da lactose, por exemplo”. Uma característica das alergias é que muitas são curadas naturalmente pelo organismo durante a vida, muitas vezes na fase de adolescência. “Por isso é muito mais comum em crianças.
É muito raro encontrarmos adultos com alergias alimentares”, comenta. As intolerâncias podem surgir já durante a fase adulta e, uma vez adquiridas, persistem pelo resto da vida. “Devido ao fato de ser causada pela falta de uma enzima, a única coisa que podemos fazer é criar uma dieta de restrição. Entretanto, comparada à alergia, a atenção que devemos ter não é tão radical, pois os sintomas são menos agressivos”, verifica a alergologista.
Tratamento
Tanto para alergias alimentares quanto para intolerâncias, não existem tratamentos comprovados cientificamente que eliminem a doença. “No caso de alergias, a recomendação é a restrição total do alimento em questão da dieta. Já no caso da intolerância, o consumo é permitido em alguns casos, desde que a quantidade ingerida não seja prejudicial para o trato digestivo”, interpreta a médica. No entanto, quando a restrição a um determinado alimento for total, deve haver um acompanhamento de substituição nutricional. “Principalmente no caso de crianças, excluir algo da dieta pode levar a severos casos de anemia, desnutrição ou falhas no desenvolvimento. Por isso, sempre deve haver essa troca de um alimento por outro de equivalência nutricional”, alerta.
Diagnóstico de Alergias
Para a detecção de alergias alimentares, Renata Cocco afirma que o diagnóstico é muitas vezes baseado na observação. “O exame consiste em a pessoa ingerir uma determinada quantidade do alimento e, a partir daí, se observa as reações do organismo”, relata.Entretanto, um exame de sangue específico pode indicar a presença da doença, que atinge cerca de 5% da população. “O teste conhecido como RAST consiste na verificação da imunoglobulina E (IgE) no sangue do paciente. Tal procedimento pode indicar a quais alimentos aquele indivíduo possui sensibilização alérgica”, conta a médica. No entanto, “um resultado positivo não significa necessariamente que a pessoa tem alergia àquele determinado alimento, apenas uma propensão”. O teste é encontrado em diversos laboratórios pelo País e possui cobertura da maioria dos planos de saúde.Outro exame trazido recentemente ao Brasil promete ser mais eficaz no diagnóstico de alergias. Trata-se da identificação de frações proteicas a partir da tecnologia microarray (biochips de DNA que selecionam e se integram a partículas específicas predeterminadas), que pode identificar 112 alérgenos ao mesmo tempo. A alergologista considera que o teste deve ser analisado por um especialista já experiente na área. “Por ser um exame que verifica reações cruzadas, é de difícil interpretação. Por exemplo, alguém que possui ao mesmo tempo aversão ao látex e a uma fruta qualquer é alérgico a uma proteína comum a ambos os alimentos”, expõe Renata. O exame por microarray está em fase de adequações e deve retornar ao mercado no segundo semestre deste ano.
Diagnósticos de Intolerâncias
Os exames que detectam intolerâncias alimentares também são, muitas vezes, realizados a partir de observação clínica. No entanto, um exame criado recentemente, chamado de Food Detective, tem atraído pacientes em busca de um diagnóstico preciso sobre os tipos de intolerância alimentar presentes em seus organismos e acaba levando-os a uma confusão ainda maior. Em relação ao teste, Renata Cocco alerta que não existe nenhuma comprovação científica da eficácia do exame. “Ele simplesmente mede o nível de imunoglobulina G (IgG) no sangue. Porém essa substância pode estar relacionada a diversos outros fatores que não sejam a intolerância. Simplesmente não faz o menor sentido”. Além de ineficaz, o teste é comercializado a preços elevados (de R$ 800 a R$ 3 mil) e não pode ser encontrado em rede pública. “Qualquer exame, principalmente de alergias e intolerâncias, pode apresentar falsos resultados. Porém, nesse caso, os pouquíssimos resultados corretos são obtidos por meio de pura sorte, sem qualquer lógica para tal. Não existe racionalidade”, argumenta.
De acordo com a Dra. Ana Paula Moschione Castro, diretora da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (ASBAI), não há embasamento científico para assumir que as intolerâncias alimentares estejam relacionadas à presença de anticorpos do tipo IgG. “As intolerâncias podem ocorrer por diversas razões, inclusive sem envolvimento do sistema imunológico. Portanto, não é possível confiar neste teste, nem sequer fazer inferências baseadas nos seus resultados”, analisa.
A diretora também reforça a posição de Renata Cocco e apresenta oposição à realização do teste em nome da entidade. “A ASBAI compartilha desta opinião por estimular profundamente a prática da medicina baseada em evidências vistas em trabalhos científicos ou opiniões de instituições idôneas e renomadas. Este repúdio ao teste para diagnóstico é compartilhado, inclusive, pela Academia Americana de Alergia e Imunologia”, acrescenta Ana Paula.
Dr. Frederico Lobo - Nutrólogo Joinville
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