Horizonte sombrio: onde vamos parar?


Para eu escrever preciso de inspiração e quando algo me toca muito, minha criatividade é ativada. A vontade de colocar no papel o que sinto toma uma grande proporção, fico inquieto enquanto não sento e escrevo. Hoje estou tomado por essa sensação. Fruto de algo que vivenciei em uma drogaria.

Inicio com uma pergunta: Onde vamos parar? Nosso horizonte é sombrio. 

Desci na farmácia para comprar um soro nasal (o cerrado já está começando a ter o clima de deserto, que durará até Final de outubro), meu anti-hipertensivo (sim, sou hipertenso desde os 26, assim como boa parte dos meus familiares) e algumas outras coisas. 

Sempre gosto de ficar olhando as novidades de fitoterápicos, vitaminas, minerais, probióticos, talvez porque quando comecei a prescrever isso em 2008, só tínhamos as opções manipuladas. Hoje a indústria percebeu que é um grande mercado e tem grandes sessões só desses produtos nas drogarias. Enquanto olhava as embalagens, era impossível não ouvir os clientes pedindo as suas medicações. E aí começou o turbilhão de sensações. 

Cliente A: pedindo a droga Glibenclamida. Uma medicação que baixa a glicemia, porém o SUS dá e a farmácia popular também. Tem o inconveniente de promover ganho de peso e risco de hipoglicemiantes. O cliente visivelmente com excesso de peso. Aí, como médico me questionei: medicação ultrapassada, será que o médico desse senhorzinho não conhece outras drogas? Será que o senhorzinho não tem condições de comprar uma droga que custa R$60 reais e terá menos efeitos adversos? Será que o profissional que o acompanha explica os riscos da droga? Será que já foi encaminhado para tratamento com nutricionista ou nutrólogo? Será que já foi prescrita uma nova droga, mas o mesmo não tem condições de comprar? Tudo isso borbulhando dentro da minha cabeça, enquanto eu olhava um frasco de um novo probiótico. 

Senhorzinho pega a sua cestinha e vai para o caixa. Cliente Frederico Lobo dá seguimento na análise dos polivitamínicos. A atendente chama a Cliente B. Uma senhora por volta dos 50 anos, pedindo medicação para asma/DPOC, anti-hipertensivo e um colágeno tipo II. Quando a atendente fala os valores, a senhora questiona: “subiu o preço?”. A atendente faz uma carinha triste e responde: “Sim, infelizmente tivemos um reajuste de quase 10% recentemente”. A senhora triste, a atendente triste também em dar a notícia e eu perplexo com o valor do colágeno. Sendo que nem há tanta evidência para a prescrição. Pensando: e se essa senhora tivesse nos últimos 10 anos pago uma academia, feito fortalecimento muscular? Será que ela tem uma boa ingestão protéica? Será que a doença pulmonar a impede de praticar algo? Será que por mais quantos anos ela conseguirá pagar essas medicações? Talvez ela tenha condições financeiras ainda para pagar, mas e se o que ela ganha vai perdendo o poder de compra e as medicações vão subindo o preço?

Nessa hora lembrei da minha infância. Mudei pra esse bairro em 1992. Haviam poucas farmácias no bairro. Hoje, assustadoramente há mais de 50. Uma em cada esquina. Nessa que eu estava, tinha uma outra ao lado. Duas farmácias, lado a lado. Pensei: se estão abrindo lojas de grandes redes e todas estão cheias, existe demanda. 

Existir demanda = existem doentes. 

Se estão cada vez mais doentes podemos elaborar vários questionamentos e refletir sobre eles:

A população está com maior expectativa de vida?

A população está adoecendo mais ou mais precocemente?

As pessoas estão procurando mais auxílio médico?

As pessoas estão recebendo mais diagnósticos?

Os médicos estão prescrevendo mais?

As pessoas estão mais preocupadas com prevenção?

O que será do ser humano? Vamos normalizar adoecer na juventude? 

Vamos normalizar tomar 30 cápsulas de medicações por dia?

A senhora portadora de pneumopatia e artrose pega suas compras e se dirige ao caixa, indignada com o preço. Com um olhar cabisbaixo e eu cabisbaixo refletindo. Nessa hora já tinha me batido uma tristeza, porque lembrei dos meus pacientes do SUS. Continuei olhando as embalagens. Fui parar no soro nasal. Agora tem um com xilitol, sempre compro. Gosto, é docinho, só não é doce a sensação de estar comprando uma embalagem que poluirá o ambiente. O ar está poluído, o meu nariz obstruído, o tempo seco, as queimadas começando e eu perpetuei a poluição comprando um produto com embalagem de alumínio, que gerará mais resíduo pro planeta. Eu fico cabisbaixo, inspiro, reflito e penso: é, eu preciso respirar, então vai esse soro com xilitol. 

Mas o show não pode parar. A atendendo não pára. Chega mais um senhor, por volta de 60-70 anos e pede a droga do momento. Semaglutida. Quase R$1000 a canetinha para 1 mês. Quando a atendente fala o valor, ele eleva a sobrancelha, mas aceita. É resiliente e deve estar confiante com a “a mais nova novidade” medicação prescrita por algum médico. Ele pede também uma metformina, essa a farmácia popular dá. Ele pede também uma medicação para colesterol elevado e também um anti-hipertensivo. Eu com o olho na embalagem mas minha cabeça fazendo as contas. Esse senhor gastará mais de 1200 por mês de medicação nesse exato momento. Aí lembrei que a caneta pode gerar resíduo, vai poluir também o ambiente caso não seja descartada corretamente. Mais poluição, mais narina obstruída, mais soro pra eu comprar, mais poluição, mais resíduo gerado por mim. 

E por aí foi… eu analisando os rótulos dos suplementos, os clientes pedindo medicamentos. O atendente assustando-os com o preço. 

Eu refletindo sobre o horizonte sombrio, sobre meus pacientes do SUS que muitas vezes não tem condições financeiras nem para comprar alimento, sobre os resíduos gerados, drogarias pipocando e a população adoecendo. Será que as pessoas nos próximos anos destinarão seus salários para a compra de medicações?

Viveremos ou apenas sobreviveremos? É, pelo visto o nosso horizonte é sombrio. 

Quantas dessas doenças não seriam prevenidas (e o atendente não precisaria assustar o cliente com o valor da medicação e nem eu ficar pensando no resíduo) se educação nutricional fosse ensinada desde o ensino fundamental? Quantas medicações não precisariam ser utilizadas, se as pessoas fossem orientadas que a a idade chegará e que musculatura é sinônimo de qualidade de vida e maior longevidade? Ou seja, ensinadas que a prática regular de atividade física fosse algo inerente à existência humana. Orientadas que quando o corpo para, de doenças ele padece. 

Dinheiro e mais dinheiro direcionado para a sobrevivência. Tem gente que tem muito dinheiro e não ligará para o preço. Tem gente que boa parte do próprio salário vai para a compra das medicações e tem gente que não tem dinheiro e nem medicação pode comprar. Enquanto eu olhava mais uma embalagem me deu uma tristeza ao refletir sobre isso e pensando: como colocaria isso em forma de texto. Mas lembrando da embalagem de soro nasal com xilitol e pensando em perguntar para o atendente, se eles tinham algum programa para receber descarte dessas embalagens. Mas fiquei tão preso na tristeza das minhas reflexões, que depois eu volto lá e pergunto. 

É aqui pertinho de casa, aliás, aqui na rua de casa tem mais de 10 farmácias. Elas “acolhem” pessoas de todas as idades, do bebê ao senhorzinho. De todos os sexos, corpos, raças. De todas as classes sociais. Elas lucram, elas vendem cura, elas vendem sobrevivência e eu me pergunto: nosso horizonte é lutar pela sobrevivência?

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Dr. Frederico Lobo

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Médico Nutrólogo

Dr. Frederico Lobo - Nutrólogo Joinville
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