A Fibromialgia (FM), chamada também de “doença em que tudo irrita”, fibrosite, fibromiosite, carateriza-se principalmente por dores do tipo migratória (que “andam”) que não comprometem as articulações e sim as fibras musculares. Podendo estar associada ou não a outros sintomas.
Mas afinal, o que é a Fibromialgia? Seria uma nova doença ou algo antigo, mas que antes não era diagnosticado? Seria uma doença ambiental? Existe tratamento? Todos os pacientes com fibromialgia são iguais? Todos experimentam a fibromialgia da mesma maneira? O tratamento é padronizado?
Quase que semanalmente recebo pacientes que relatam ter recebido o diagnóstico de FM. A pergunta que não quer calar. Será que é FM mesmo? Antigamente a maioria dos casos, o diagnóstico era por exclusão. Buscava-se causas para os sintomas e quando não se encontrava uma etiologia, classifica-se como FM. Porém em 2010 os critérios diagnósticos foram revistos. Mais adiante falarei sobre isso.
Considerada uma das condições clínicas reumatológicas mais frequentes, a FM apresenta dados epidemiológicos variáveis. Em estudos feitos nos EUA e na Europa a prevalência encontrada foi de até 5% na população geral. Já no Brasil, está presente em até 2,5% da população geral, predominando nas mulheres e geralmente na faixa etária dos 30 aos 45 anos.
Quadro clínico da FM
O início dos sintomas pode ser abrupto ou gradual, começando na infância em 28% dos pacientes. Vários fatores podem anteceder o início dos sintomas e geralmente muitas pacientes correlacionam com fatores emocionais (alterações profundas na vida, do tipo: pós separação ou morte de um filho, situação que geram um grande estresse emocional). Entre outros fatores temos:
O que tenho percebido na anamnese da maioria das pacientes é que cada paciente abre o quadro com uma sintomatologia. Na maioria das vezes começa com um ponto de dor focal que vai se generalizando e tornando-se uma dor difusa.
Em 1990 o Colégio Americano de Reumatologia (ACR) elaborou critérios de classificação que foram aceitos pela comunidade científica e contribuíram muito para a homogeneização do diagnóstico. Além disso auxiliaram a crescer o número de estudos sobre FM. Apesar do avanço com o uso desses critérios, muitas críticas surgiram ao longo dos anos, em especial a excessiva valorização da dor difusa em detrimento de sintomas, como fadiga, distúrbios do sono, rigidez matinal, entre outros. A contagem e a pesquisa dos pontos dolorosos tornaram-se outro motivo de discussão, haja vista que muitos médicos não tinham treinamento adequado para reconhecê-los. Em resposta a essas críticas, em 2010 o ACR elaborou novos critérios preliminares diagnósticos, que incluíram vários sintomas e excluíram a palpação dos pontos dolorosos. Esses critérios sofreram modificações posteriores e encontram-se ainda em análise pela comunidade médica reumatológica.
Diante da variedade do quadro clínico e da inexistência de marcador laboratorial ou exame de imagem característico, o diagnóstico da FM é baseado no julgamento clínico e variável com a experiência de cada médico.
Os critérios diagnósticos preliminares de FM do ACR de 2010 são baseados no número de regiões dolorosas do corpo e na presença e gravidade da fadiga, do sono não reparador e da dificuldade cognitiva, bem como na extensão de sintomas somáticos.
Segundo o último Consenso Brasileiro de FM, elaborado pela Sociedade Brasileira de Reumatologia (2017), a FM não deve ser considerada como diagnóstico de exclusão, mas sugerem sempre considerar os diagnósticos diferenciais com outras síndromes ou doenças com sintomas semelhantes. Há diversas doenças que devem fazer parte do diagnóstico diferencial da FM e que podem ser excluídas através de exames laboratoriais ou de imagem. Por exemplo: Artrite reumatoide, o Lúpus eritematoso sistêmico, a Polimialgia reumática, as Miopatias, a Espondilite anquilosante, o Hipotireoidismo e as Neuropatias periféricas. Algumas outras condições cursam com síndromes de sensibilidade central, que incluem, além da FM, a síndrome de fadiga crônica, a síndrome do intestino irritável, a enxaqueca e as disfunções da articulação temporomandibular. Ou seja, não é um diagnóstico fácil.
A presença da dor difusa é fundamental para o diagnóstico de pacientes com suspeita de FM. A presença de pontos dolorosos em número maior do que 11 é de 22,4%, 24,7% e 89,9% em pacientes com artrite reumatoide, osteoartrite e FM, respectivamente. Os pacientes com FM são identificados através dos pontos dolorosos (acima de 11) com sensibilidade de 84% e especificidade de 87%, o que confere certeza diagnóstica de 84% quando positivos. Os pontos dolorosos podem ser úteis no diagnóstico da fibromialgia quando avaliados em conjunto com outros distúrbios funcionais contemplados nos critérios de 2010. Sua contagem pode se correlacionar com a intensidade de alguns sintomas, particularmente de estresse emocional.
Os distúrbios do sono, as alterações de cognição e a fadiga devem ser considerados para o diagnóstico da FM. Sugere-se considerá-los também na avaliação da gravidade dos pacientes com FM. Associado às dores difusas a paciente pode apresentar:
Como relatei acima, cada paciente é única e, portanto, a abordagem deve ser individualizada. É interessante que existem aquelas pacientes com o quadro clássico de fibromialgia, mas algumas negam sintomas ligados ao sono, outras negam as alterações emocionais e muitas vezes correlacionam uma possível ansiedade ou depressão como consequência do quadro de dor. Um fato interessante é a associação Hipotireoidismo com FM, assim como Síndrome do intestino irritável com FM.
Causas da dor: Não existe fibromialgia sem dor, como o próprio nome diz. A doença atinge principalmente os músculos, porém não existem características inflamatórias e nem processos degenerativos nas biópsias de tecido muscular afetado. O fator mais importante, definido até o momento (e o tratamento comprova isso) está vinculado à diminuição na produção de energia (ATP – trifosfato de adenosina) da musculatura afetada, em decorrência de mudanças químicas, morfológicas e neurofisiológicas. A hipóxia (baixa oferta de oxigênio ao tecido) é uma das explicações mais plausíveis para a dor. Decorre de uma diminuição da produção de ATP e sem dúvida alguma, os fatores que comprometem a atividade mitocondrial são de extrema importância, já que essa organela celular está intimamente relacionada à produção de ATP. Alguns autores postulam que a elevação de alguns hormônios ou decréscimo de algumas substâncias aumentam a sensibilidade a dor, como por exemplo:
Mas o que poderia estar alterando a mitocôndria? Inúmeras são as causas que levam às mitocondriopatias, dentre elas:
Baseado nisso, pode-se falar que a suplementação de tais substâncias pode ser benéfica para os pacientes com FM? Não. Não se encontra respaldo nos últimos estudos publicados. É importante pontuar que a maior parte dos estudos sobre nutrição relacionada à FM contém número pequeno de pacientes, não são randomizados e por isso não são conclusivos.
Holdcraft, Assefi e Buhwald em 2003 fizeram uma revisão sistemática de 1975 a 2002: Buscando evidências a respeito do uso de medicina complementar e alternativa no tratamento da FM. Resultado: evidência moderada para suplementação com magnésio, forte para suplementação com SAM-e e limitada para suplementação com Chlorella pyrenoidosa.
Holton, Kindler e Jones em 2009 fizeram uma revisão sistemática de 1986 a 2008 para investigar os efeitos de dieta vegetariana, de eliminação e/ou para perda de peso na FM. Resultado: Não há evidência para restrições dietéticas na FM, porém na prática vejo alguns resultados com a retirada do glúten como prova terapêutica. Uma minoria dos casos realmente precisa excluir o glúten da dieta.
Li e Micheletti em 2011 também fizeram uma revisão sistemática com a finalidade de investigar os efeitos da dieta vegetariana, de eliminação e/ou para perda de peso na FM. Resultados: houve relato de aumento da dor relacionada com a ingestão de glutamato e de aspartame; mas não há recomendações dietéticas para o tratamento da FM.
Carruthers e Sande elaboraram em 2003 o Consenso Canadense de FM. Nas recomendações nutricionais para o tratamento da FM: Indicava dieta balanceada e nutritiva e além disso os autores abordaram a função dos nutrientes. Já na versão de 2013 do Consenso Canadense, nada foi citado sobre o tema.
Sobre o uso de medicina complementar e alternativa e suplementação nutricional no tratamento da FM, os estudos apresentam amostras pequenas, não são randomizados, e faltam controle de placebo ou duplo cego, a maioria apresentando evidência limitada ou insuficiente.
Até o momento, há evidência moderada para o uso de magnésio, que é essencial para a síntese de ATP, evidência forte para a suplementação com S-adenosil-L-metionina (SAM-e) e limitada para Chlorella pyrenoidosa, enquanto antocianidinas e dieta vegetariana têm evidência limitada.
Literatura mais recente tem apresentado discussão sobre o estresse oxidativo presente na FM e o uso de antioxidantes, a questão do excesso de peso corporal e a deficiência de micronutrientes.
Os estudos mostram que pacientes com fibromialgia produzem 3,2 vezes mais espécies reativas de oxigênio (EROs) que controles, resultados comparáveis aos de pacientes com artrite reumatoide, lúpus eritematoso sistêmico, vasculites sistêmicas e esclerose sistêmica, doenças com perfil inflamatório.
O estresse oxidativo na FM é fato aceito, porém sua função na doença do ponto de vista fisiológico não é claro, e o mecanismo pelo qual pode ter efeito na piora dos sintomas é ainda desconhecido. É possível que o estresse oxidativo seja um mediador importante no ciclo vicioso, agravando a fadiga crônica, se não for a causa primária de fadiga.
Então o uso de antioxidantes sintéticos tem nível de evidência na FM? Não, principalmente se forem sintéticos. Apesar do estresse oxidativo estar na fisiopatologia da doença, não há estudos bem conduzidos, mostrando que a suplementação com antioxidantes tenha mostrado qualquer benefício para portadoras de FM.
Recomenda-se que os pacientes sedentários façam atividade física leve. Que os tabagistas parem de fumar. Que os que se alimentam errado passem a ter uma dieta mais saudável e variada. Já que essas situações favorecem aumento de EROS. Além disso uma das medicações muito utilizada na FM, a amitriptilina, um antidepressivo tricíclico, sabidamente promove um aumento de EROS, redução nos níveis de Coenzima Q10, maior peroxidação lipídica, além de redução na massa mitocondrial.
Alguns nutrientes possuem um nível maior de evidência científica, tais como:
A coQ10 está presente nas membranas celulares e tem a função de transferir elétrons dos complexos I e II para o complexo III na cadeia respiratória mitocondrial. Apresenta função crítica na produção de ATP, contém papel importante no metabolismo celular e limita a produção de EROS.
Sugere-se que a CoQ10 seja um marcador da função mitocondrial. Nos estudos, a suplementação com CoQ10 induziu a aumento na biogênese mitocondrial e níveis de expressão de proteína, com aumento do número de cópias de DNA mitocondrial.
Esses resultados sugerem a função da CoQ10 e disfunção mitocondrial na patogênese da fibromialgia. O tratamento com CoQ10 pode ser usado como terapia alternativa na fibromialgia e seus efeitos benéficos podem ser monitorados ao nível celular. Contudo, mais investigações são necessárias para esclarecer mecanismos precisos pelos quais a CoQ10 pode contribuir para os processos patológicos e terapêuticos.
Eu particularmente vejo bons resultados nos pacientes que fazem uso destas substâncias, nas apresentações e doses certas. Assim como alguns pacientes apresentam melhora dos sintomas com alguns ajustes nutrológicos na dieta habitual. Porém deixo claro que isso não tem consenso entre os especialistas e nem evidência científica robusta. Puro empirismo meu e de alguns colegas reumatologistas. Medidas que talvez possam beneficiar os portadores de FM:
Fontes:
Dr. Frederico Lobo - Nutrólogo Joinville
CRM-SC 32949 | RQE 22.416
Telefone: (62) 99233-7973 (Whatsapp)
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