Para a população leiga, não há questionamento quanto a isso. O paciente quer a dieta, não importa se foi prescrita por um nutricionista ou por um médico. Mas e para Nutrólogos e Nutricionistas? Como fica essa questão? Médicos estão aptos legalmente a prescrever uma dieta? Ou isso é uma atividade privativa de nutricionistas.
Antes que vários nutricionistas venham me apedrejar nas redes sociais e nos comentários, deixo claro que:
1 – Na minha prática clínica no consultório, eu tenho um nutricionista (Rodrigo Lamonier) e ele é o responsável por prescrever a dieta dos meus pacientes.
2 – Nutricionista é o profissional mais habilitado para a prescrição de dietas, entretanto defendo que médicos possuem capacidade técnica para prescrição de dieta. Desde que recebam treinamento e isso nós aprendemos na pós-graduação de Nutrologia ou na residência de Nutrologia. Se podemos prescrever a parenteral e enteral, pq não a via oral?
Mas o porquê da polêmica?
A polêmica existe devido a Lei que regulamenta a profissão dos Nutricionistas: Lei nº 8.234 de 17 de setembro de 1991. Nela afirma-se que a prescrição de dieta é uma atividade privativa de Nutricionistas.
Nessa discussão toda, o Conselho Federal de Medicina tem feito despachos e respondido pareceres, afirmando que Médicos são capazes e habilitados a prescrever dieta.
O último despacho (publicado em 13/11/2019 em
https://sistemas.cfm.org.br/normas/arquivos/despachos/BR/2019/515_2019.pdf fala o seguinte:
Expediente CFM n.º 9789/2019Assunto: Consulta sobre a possibilidade de médicos receitarem dietas. Possibilidade nos termos da regulamentação da profissão. Atividade abrangida pela profissão médica. ADI 803/DF. Arguição de exercício ilegal da profissão de Nutricionista. Impossibilidade.
Do Relatório: Trata-se de consulta protocolada sob o n.º 9789/2019 – ao qual anexado o expediente de n. 10043/2019, de semelhante teor – através do qual é encaminhada mensagem da Dra. M. G. D., Diretora da ABRAN (Associação Brasileira de Nutrologia).
Relata constrangimento ilegal sofrido por médicos, acusados de exercício ilegal da profissão de Nutricionista. Segue trecho da mensagem:“(…) a todo tempo colegas médicos são denunciados na justiça por prescreverem e ensinarem a prescrição de dietas. Há duas semanas tivemos as primeiras denúncias de três médicos, em delegacia de polícia, pelo “crime” de prática ilegal da Nutrição, em Rio Verde de Goiás. Na ocasião demos todo o suporte com documentos para a defesa.” Nos termos expostos, necessitando-se posicionamento do CFM. Este, o breve relatório.
Da Análise Jurídica: A profissão de Nutricionista é regulamentada pela Lei n. 8.234/1991, a qual prevê, dentre as atividades privativas daqueles profissionais, a indicação de dietas, conforme segue:
Art. 3º São atividades privativas dos nutricionistas:(…)II – planejamento, organização, direção, supervisão e avaliação de serviços de alimentação e nutrição; III – planejamento, coordenação, supervisão e avaliação de estudos dietéticos; (…) VII – assistência e educação nutricional e coletividades ou indivíduos, sadios ou enfermos, em instituições públicas e privadas e em consultório de nutrição e dietética; VIII – assistência dietoterápica hospitalar, ambulatorial e a nível de consultórios de nutrição e dietética, prescrevendo, planejando, analisando, supervisionando e avaliando dietas para enfermos.
Pela leitura isolada do aludido disposto legal, efetivamente, poder-se-ia deduzir que a atividade de indicar dietas seria, única e exclusivamente, cabível aos profissionais nutricionistas. Motivo pelo qual se verifica a arguição de que médicos, ao desempenharem a tarefa, estariam praticando ilicitamente aquela profissão, a exemplo dos eventos noticiados na consulta sob análise.
Exatamente em virtude de tal interpretação, foi ajuizada a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 803/DF, a qual propugnava pelo afastamento do termo “privativas” constante do caput do aludido artigo 3º da lei. Isto, de modo a afastar a exclusividade dos nutricionistas quanto àquelas tarefas ali discriminadas, dentre elas a indicação de dietas.
Ocorre que a ADI foi julgada improcedente, mantendo-se o caráter privativo das tarefas, em favor dos nutricionistas – porém – expressamente sendo reconhecida a ressalva quanto às demais profissões regulamentadas, no tocante à intercessão eventual de atribuições. Segue ementa da decisão:
Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Lei 8.234, de 17 de setembro de 1991. Expressão “privativas” contida no caput do art. 3º. Profissão de nutricionista. 3. Constitucionalidade. Atividades eminentemente técnicas que não se confundem com as desempenhadas por profissionais de nível médio. Ressalva quanto a outras categorias, tais como Nutrólogos, bioquímicos e gastroenterologistas. 4. Inexistência de restrição ao exercício de trabalho, ofício ou profissão em desconformidade com a Constituição. 5. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente, respeitado o âmbito de atuação profissional específico. (ADI 803, Relator (a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 28/09/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-265 DIVULG 22-11-2017 PUBLIC 23-11-2017) (grifo nosso)
De igual modo, o extrato de ata daquele feito: PLENÁRIO EXTRATO DE ATAAÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 803PROCED. : DISTRITO FEDERAL RELATOR : MIN. GILMAR MENDESREQTE.(S) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICAINTDO.(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICAINTDO.(A/S) : CONGRESSO NACIONALAM. CURIAE. : FEDERAÇÃO NACIONAL DOS NUTRICIONISTASADV.(A/S) : LEONARDO RAFAEL DE SOUZA (19577/SC) E OUTRO (A/S)
Decisão: Preliminarmente, o Tribunal, por unanimidade, conheceu da ação direta. No mérito, por maioria, vencido o Ministro Marco Aurélio, confirmou a decisão que indeferiu a medida cautelar e julgou improcedente a ação, respeitado o âmbito de atuação profissional das demais profissões regulamentadas. Tudo nos termos do voto do Ministro Gilmar Mendes (Relator). Ausente, justificadamente, o Ministro Celso de Mello. Falou, pelo amicus curiae, Souza . Presidiu Federação o Nacional julgamento dos a Nutricionistas, Ministra Cármen o Dr. Lúcia. João Plenário, Paulo de 28.9.2017.
Presidência da Senhora Ministra Cármen Lúcia. Presentes à sessão os Senhores Ministros Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Luiz Fux, Rosa Weber, Roberto Barroso, Edson Fachin e Alexandre de Moraes. Procuradora-Geral da República, Dra. Raquel Elias Ferreira Dodge. p/ Dora lúcia das Neves Santos Assessora-Chefe do Plenário (g.n.)
Analisando-se o teor daqueles autos, verifica-se que há manifestação do próprio Congresso Nacional, autor da norma então impugnada, no sentido de que ambas as profissões – conforme suas legislações específicas – possuem a competência para realizar tarefas como a indicação de dietas. Diferenciando-se a finalidade, eis que o fim previsto para o nutricionista seria a melhor nutrição, em si, enquanto ao médico seria o restabelecimento/manutenção da saúde. No sentido exposto, o relatório do Exmo. Ministro Gilmar Mendes, relator:
O Congresso Nacional apresentou manifestação afirmando a distinção entre o trabalho dos nutricionistas e dos médicos, bioquímicos e técnicos em nutrição. Os nutricionistas exerceriam as atividades previstas no art. 3º com vistas à nutrição e não à cura de doenças ou a exames laboratoriais. Se exercidas com finalidades médicas ou laboratoriais, tais atividades estariam fora da área do nutricionista, não sendo, nesses casos, abrangidas pela restrição do art.3º. (g.n.)
Deste modo, o próprio Supremo Tribunal Federal expressamente reconheceu a prática de indicar dietas como compatível com a profissão médica, não se aplicando a vedação constante do Art. 3º da Lei n. 8.234/1991 às demais profissões regulamentadas cujas legislações permitam a prática, dentre elas a profissão de Médico. No sentido exposto, verificando-se que a indicação de dietas, com finalidade médica, é inclusa dentre as hipóteses previstas na Lei do Ato Médico (Lei n. 12.842/2013). Portanto, sendo prática inerente à atividade médica, conforme trechos da norma abaixo transcritos:
Art. 2º O objeto da atuação do médico é a saúde do ser humano e das coletividades humanas, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo, com o melhor de sua capacidade profissional e sem discriminação de qualquer natureza. Parágrafo único. O médico desenvolverá suas ações profissionais no campo da atenção à saúde para:I – a promoção, a proteção e a recuperação da saúde;II – a prevenção, o diagnóstico e o tratamento das doenças;III – a reabilitação dos enfermos e portadores de deficiências
Portanto, verifica-se que a atividade de indicação de dietas, como bem reconhecido pelo C. STF, é plenamente compatível com a função médica, sendo atividade compatível com todo e qualquer profissional da área, nos termos previstos na Lei n. 3.268/1957:
Art. 17. Os médicos só poderão exercer legalmente a medicina, em qualquer de seus ramos ou especialidades, após o prévio registro de seus títulos, diplomas, certificados ou cartas no Ministério da Educação e Cultura e de sua inscrição no Conselho Regional de Medicina, sob cuja jurisdição se achar o local de sua atividade. (g.n.)
Notar que o tema não é novo e já foi anteriormente avaliado no Despacho COJUR n. 277/2014, o qual formulou igual raciocínio àquele exarado na posterior decisão do C. STF, quanto à plena possibilidade do profissional médico, dentro de sua competência característica, prescrever dietas visando ao pleno estabelecimento da saúde de seus pacientes:
Consoante reza o parágrafo único do art. 2º da Lei 12.842/2013 (Lei do Ato Médico), “O médico desenvolverá suas ações profissionais no campo da atenção à saúde para: I – a promoção, a proteção e a recuperação da saúde; II – a prevenção, o diagnóstico e o tratamento das doenças; III – a reabilitação dos enfermos e portadores de deficiências”.
Já a Lei 8234/91, que regulamente a profissão de nutricionista, assim dispõe: Art. 3º São atividades privativas dos nutricionistas:[…]II – planejamento, organização, direção, supervisão e avaliação de serviços de alimentação e nutrição;[…]VIII – assistência dietoterápica hospitalar, ambulatorial e a nível de consultórios de nutrição e dietética, prescrevendo, planejando, analisando, supervisionando e avaliando dietas para enfermos. Art. 4º Atribuem-se, também, aos nutricionistas as seguintes atividades, desde que relacionadas com alimentação e nutrição humanas:[…]VII – prescrição de suplementos nutricionais, necessários à complementação da dieta;[…]Conjugando-se os dispositivos legais supra transcritos, via de regra, tem-se que a prescrição de dietas alimentares por médicos, destacadamente por endocrinologistas e nutrólogos, reveste-se de legalidade, na medida em que a atuação do profissional da medicina – por definição legal – é voltada à promoção, à proteção e à recuperação da SAÚDE, bem como à prevenção, ao diagnóstico e ao tratamento das doenças.
Considerando que a prescrição de dietas alimentares sempre estará vinculada com a SAÚDE humana, seja no aspecto preventivo, seja no âmbito terapêutico (recuperação da saúde), tem-se que o médico é plenamente competente para tanto, inclusive para os casos em que a prescrição e o acompanhamento dietético mitiga ou elimina a necessidade de intervenção medicamentosa.
Tal compreensão poderia gerar alguma perplexidade tendo em vista a redação dos incs. II e VIII do art. 3º supra transcrito. Este dispositivo, dentre outros comandos, reza ser atribuição privativa dos nutricionistas a prescrição de dietas para enfermos em ambiente hospitalar, bem como o planejamento dos serviços de nutrição. Uma leitura fria e descontextualizada desta norma poderia gerar a errônea compreensão de que o profissional médico estaria alijado do ato de prescrever dietas alimentares.
Entretanto, conforme esclarecido acima, a prescrição de dietas alimentares consiste num elemento indissociável da SAÚDE humana, o que se afirma sob o prisma da prevenção e do tratamento de doenças, mormente em ambientes hospitalares onde a realização de diagnósticos é atividade pressuposta.
Em suma, a prescrição de dietas alimentares insere-se no contexto macro da promoção da saúde, cuja incumbência, ex vi Lei 12.842/2013, não toca senão ao profissional médico. Trazendo-se estas ilações para a esfera do direito intertemporal, com ativação do critério temporal, forçosa é a conclusão de que a Lei do Ato Médico, posterior à Lei 8234/91, revogou parcialmente (derrogou) os incs. II e VIII, do art. 3º deste diploma, no que tange à exclusividade dos nutricionistas para a prescrição de dietas nos ambientes extra e intrahospitalares.
Eclodiu, no ponto, com o advento da Lei do Ato Médico, uma inegável competência concorrente entre as profissões da medicina e da nutrição, ressalvando-se sempre as atividades que, por este mesmo diploma, são privativas dos médicos (v.g. a prescrição de dietas antecedida pela realização de um diagnóstico nosológico). Nesta última hipótese, a participação do profissional nutricionista deverá ser associada em complementar. Em conclusão, consigna-se: é lícito ao profissional médico prescrever dietas de modo geral.
Deste modo, conforme amplamente exposto, inclusive com reconhecimento expresso do C. STF, a prescrição de dietas, dentro de sua respectiva competência, é atividade compatível com a profissão médica, não havendo o que se falar em médico incorrer na prática ilegal de Nutrição, nos termos do Dec.-Lei n. 3.688/1941:
Art. 47. Exercer profissão ou atividade econômica ou anunciar que a exerce, sem preencher as condições a que por lei está subordinado o seu exercício: Pena – prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa, de quinhentos mil réis a cinco contos de réis.
Contrariamente, caso algum profissional médico eventualmente seja constrangido a responder procedimento penal por ato que se configure como exercício regular de seu direito profissional ou dever legal (Art. 23 do CP), em tese, a depender das particularidades do caso concreto, poder-se-á restar caracterizada modalidade de crime previsto na Lei n. 13.869/2019 (crimes de abuso de autoridade), conforme segue:
Art. 27. Requisitar instauração ou instaurar procedimento investigatório de infração penal ou administrativa, em desfavor de alguém, à falta de qualquer indício da prática de crime, de ilícito funcional ou de infração administrativa: Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. Art. 30. Dar início ou proceder à persecução penal, civil ou administrativa sem justa causa fundamentada ou contra quem sabe inocente: Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. Portanto, não havendo qualquer ilicitude – em regra – na indicação de dietas por profissionais médicos, quando exercido dentro de suas competências profissionais, nos moldes preconizados na Lei n. 12.842/2013.
Da Conclusão: Tudo isto posto, a COJUR-CFM compreende plenamente compatível à atividade médica, a indicação de dietas, quando atreladas à competência do profissional médico, em especial quanto à promoção, proteção e recuperação da saúde, assim como na prevenção e tratamento de doenças, além da reabilitação de enfermos e pessoas portadoras de deficiências, conforme previsto no Art. 2º da Lei n. 12.842/2013 (Lei do Ato Médico).
Outrossim, a depender das peculiaridades do caso concreto, pode restar caraterizado, em tese, crime previsto na Lei n. 13.869/2019 (Lei dos Crimes de Abuso de Autoridade) se profissional médico for constrangido por procedimento penal baseado em seu exercício regular de direito profissional. S.m.j., estas as considerações cabíveis!
Brasília, 5 de novembro de 2019.
João Paulo Simões da Silva Rocha
Advogado do CFM
Ou seja, de acordo com o despacho acima, o departamento jurídico do Conselho Federal de Medicina, reconhece que médicos estão aptos a prescreverem dieta:
att
Dr. Frederico Lobo – CRM-GO 13192 – RQE 1915 – Médico Nutrólogo
Dr. Frederico Lobo - Nutrólogo Joinville
CRM-SC 32949 | RQE 22.416
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